Minha mãe e eu

Minha mãe não me telefona todos os dias, apesar de se preocupar e se importar, ela não é dessas mães que ficam procurando saber onde o filho está. Por algumas vezes achei que isso fosse descaso comigo, mas é o jeito desprendido dela e o fato de eu ser a quinta filha, fez com que ela não sufocasse tanto como foi com os outros. Ela nasceu no meio do Carnaval e apesar de ter curtido a festa por muitos anos, hoje não gosta nem de assistir os desfiles pela tv. Pura bobagem, segundo ela. Adora uma cervejinha, mas não fica bêbada.Também, nem precisa: já nasceu naquele estado de leveza que o resto da humanidade demora uma ou duas doses para alcançar. Minha mãe toca pandeiro, sanfona, violão, gaita, piano e outros tantos instrumentos. Faz música o dia todo: tocando, cantando, dançando. Esse é o espírito dela, leve e divertido.

O humor de minha mãe é algo perceptível para quem conversa com ela pela primeira vez. Aliás isso parece ser um dom, atrai pessoas como ninguém. Tem muitos amigos e nenhum inimigo. Também pudera, faz tudo pelo bem, com o bem e sem esperar nada em troca. Tem dons manuais que se descobriram sozinhos, é autônoma, não gosta de ninguém controlando seu horário e o que tem que fazer. Tem uma alma livre e aventureira, apesar de hoje em dia pouco sair de casa.

Ela adora flores, cores, sons, cheiros e estilos. Ela adora ler e troca ideias de qualquer assunto sem nunca levantar o tom. Tem mania de limpeza, mas não gosta de passar roupa e nem de cozinhar. Porém faz. Costura muito bem também.

Minha mãe nasceu no campo, ficou órfã cedo, teve aventuras demais pra uma infância e estudou em colégio religioso ao qual aprontava demais. Cantou na rádio, casou, teve seus cinco filhos e enfrentou uma dolorosa "separação". A vida da minha mãe deixaria qualquer Maria do Bairro no chinelo, inclusive na parte sentimental. Hoje, minha mãe é avó de seis netos e dois gatos. Continua casada e se porta como casada, mesmo após longos anos "separada", um exemplo para muitas (principalmente às que trocam de marido como quem troca de roupa). 

Continua bonitona e não aparenta a idade que tem. Sempre com muita energia, não deixa ninguém se abater por problemas e se controla para não sucumbir perante as tribulações da vida. É uma guerreira nata. Foram poucas as vezes que a vi chorar.

Ela foi mãe e pai pra mim, me ensinando o certo e o errado, explicando as situações da vida. Nunca teve dedos ao tratar de qualquer assunto comigo. Foi por causa dessa educação que amadureci mais rápido. Ela me teve aos 43 anos, em uma época que muita mulher já nem podia mais ter filhos. Apesar da grande diferença de idade, sempre fomos unidas (vide a foto) e por ser a caçula sempre ouvi que eu seria a companheira dela para todo o sempre. Apesar de já ter saído de casa, ainda mantemos o diálogo sem papas na língua e isso mesmo fora de casa pode se manter.

É o sobrenome dela que eu assino, que tenho orgulho em levar. Minha mãe nunca se fez de coitada e vítima apesar de muitas, mas muitas vezes ter sido passada pra trás. Ela diz que já levou mais fumo do que cachimbo. Também pudera, é daquelas que dá o outro lado da face pra baterem. 

Um misto de pureza, bondade, força e tranquilidade, teve que aprender a deixar o orgulho e a vaidade de lado muitas vezes e nunca foi menor por isso. Pelo contrário, nessas situações foi que ela mais cresceu. Conheceu a riqueza, passou necessidade, foi madame de Copacabana, viu a crise de perto e hoje vive para sobreviver.

Hoje ela completa 70 anos. Sete décadas de muita história e vida. Muito orgulho por ter essa pessoa em minha vida, por ser minha mãe. Esta aquariana, que quando se invoca é uma explosão só, tem sarcasmo, ironia e um bom humor contagiante. É mãe, avó, madrinha, tia, psicóloga dos amigos, artista da vida.